DA PERSEGUIÇÃO AO ÉDEN BRASILEIRO

09/08/2021


Os judeus que encontraram na Amazônia refúgio e liberdade


Azenathe Pereira Braz 1


Você conhece a história dos judeus que, em 1492 e 1496, foram expulsos da Espanha e Portugal?


Você sabia que séculos depois eles acabaram chegando a Amazônia e conseguiram oportunidades para viver e prosperar?


Esse êxodo judeu para a Amazônia deu início a uma fantástica jornada de descobertas, afirmação, liberdade e prosperidade.


Com base na obra de Eretz Amazônia de Samuel Benchimol, abordamos neste texto, a incrível trajetória dos judeus amazônicos.


Desenvolvimento

A chegada dos judeus na Amazônia foi o resultado da intolerância que Espanha e Portugal empreenderam contra os judeus através da Inquisição. Esses países foram baluartes da perversidade e fanatismo que resultaram no genocídio de judeus sefaraditas 2.

Desde a criação da Inquisição Espanhola em 1483, os judeus foram perseguidos, torturados, expropriados, exilados e queimados em fogueiras. Em Portugal, foram expulsos por meio de Édito em 1492 que se consumou em 1496, mas neste país também se instituiu o Tribunal do Santo Ofício em 23 de maio de 1536.

Através da instituição católica, os judeus que não morreram, foram obrigados a se converter à força e condenados a viver nas juderias, que eram bairros afastados das cidades. Nesses locais eram excluídos e viviam a mercê da perseguição, infanticídio, confisco de bens, flagelação e cativeiro.

Os judeus também foram obrigados a se converter ao catolicismo. Esses ex-judeus eram discriminados com denominações pejorativas como: cristãos-novos, marranos (porcos) e cripto-judeus (católicos por fora e judeus por dentro).

Os judeus expulsos da Espanha viveram uma sucessão de acontecimentos drásticos que causaram um esfacelamento e desmonte da identidade judaica.

Primeiro, com a Inquisição espanhola, migraram em massa para Portugal e foram acolhidos pelo rei D. João II com a condição de pagarem uma taxa e com prazo de oito meses para saírem livremente. Porém, o reio português não cumpriu o prometido e vendeu como escravos milhares de judeus, outros foram confinados em juderias e obrigados a usarem roupas que discriminavam sua identidade religiosa.

Depois disso, setecentas crianças judias foram retiradas de suas famílias e enviadas para uma colônia portuguesa na África, em condições subumanas foram exterminadas e ocorreu o primeiro infanticídio em massa causado pelos portugueses (BENCHIMOL, 1998, p. 21).

Além disso, o rei português D. Manuel I, por ocasião de seu casamento com Isabel da Espanha e por exigência de seus sogros, decretou que em dez meses todos os judeus deveriam ser expulsos do país caso não se convertessem ao catolicismo.

D. Manuel I se arrependeu desta lei, por causa dos prejuízos econômicos, uma vez que os judeus refugiados em Portugal possuíam capitais financeiros importantes para o país. Assim, proibiu a saída dos judeus, decretando a conversão forçada, retirou crianças judias e as doou para famílias cristãs para serem criadas conforme a doutrina católica. A identidade judaica é solapada e muitos se convertem forçadamente ao catolicismo se tornando cristãos novos, marranos e cripto-judeus.

Assim, os judeus ibéricos com a identidade ameaçada, buscaram desesperadamente sobreviver. Com o crescimento da exclusão se tornaram cada vez mais vítimas da pobreza, fome, perseguição, discriminação, destruição de seus locais de reunião.

Muitos se refugiaram do outro lado do Mediterrâneo, no Marrocos, por ser mais próximo de Espanha e Portugal, mas ainda assim, não foi uma boa alternativa. Neste país também sofreram todo tipo de infortúnios. Sem saída, permaneceram exilados nas cidades e vilas marroquinas por séculos. Lá viveram em condições semelhantes às impostas na Ibéria, viviam em guetos isolados, discriminados e perseguidos.

Com os anos, alguns judeus marroquinos conseguiram prosperar por meio de vendas de produtos da região, pesca e comércio de cana-de-açúcar. E com o passar dos anos os judeus se envolveram em diversas atividades de exportação se concentrando principalmente nos portos marroquinos.

Pelas péssimas condições de vida, os judeus se viam sempre obrigados a buscar alternativas melhores de subsistência. Uma esperança começou a surgir pelas grandes navegações que ocorreram nesse ínterim. Portugal foi pioneiro nas expansões marítimas do século XVI seguido de outras potencias européias. E a história das navegações indica a forte participação judaica nessas atividades.

Assim, com o avanço da colonização portuguesa, o estabelecimento da ordem política e econômica encontradas no Brasil e Amazônia, como a abertura dos portos, a liberdade de culto, a abertura do Rio Amazonas a navegação exterior são alguns dos fatores que atraíram os judeus perseguidos para a Amazônia onde encontraram a possibilidade de uma nova Terra da Promessa - a Eretz Amazônia (BENCHIMOL, 1998, p. 14).

Após vários séculos vivendo no Marrocos, fatores políticos, econômicos e sociais, fizeram com que judeus sefaraditas e forasteiros marroquinos buscassem uma nova vida na Amazônia, vista como a nova Canaã. Essa expectativa era alimentada pelas notícias que corriam pelo mundo por meio das expedições marítimas que traziam extraordinários relatórios, também os relatos de naturalistas e viajantes que comentavam e descreviam a promissora terra considerada o celeiro do mundo (BENCHIMOL, 1998, p. 40).

Deste modo, uma grande imigração de judeus marcou o povoamento e desenvolvimento da Amazônia. Os judeus foram os pioneiros em diversas atividades econômicas da região e tiveram importante participação como líderes de excelência contribuindo economicamente e socialmente.

Uma primeira geração de judeus amazônicos foram os pioneiros a se adentrarem e expandirem o comércio através dos rios na região amazônica. Esse pioneirismo se estendeu aos mais remotos lugares, as vilas, povoados, seringas, e contribuiu fortemente para o povoamento dessas regiões.

Uma segunda geração de judeus amazônicos usufruiu das riquezas proporcionadas no ciclo da borracha, no qual, se tornaram muito bem sucedidos no comércio graças aos altos preços que matéria prima atingiu (BENCHIMOL, 1998, p 104-110).

A terceira geração de judeus amazônicos viveu a grande crise de 1920 a 1950 em que a economia amazônica entrou em crise por trinta anos. Os judeus pioneiros e acostumados a buscar novos lugares para prosperar, logo abandonaram seus bens que já não tinha valor para se mudarem para a região de Manaus e Belém e estabelecerem novas empresas e reestruturarem suas economias.

A quarta geração de judeus marroquinos, estabelecidos na Amazônia, atravessou outra severa crise econômica por volta dos anos 0 ate 1970. Por causa de uma série de fatores como, a perda de investimentos estrangeiros, desentendimentos nas políticas de investimentos nacionais, a entrega do monopólio da exportação para um órgão federal, levaram ao esfacelamento das empresas de exportação judaicas.

Os judeus que viveram esta crise tiveram que vender suas propriedade para angariar recursos e estudar os filhos numa busca por alternativas a longo prazo, isto é, possibilidades de garantir o futuro e encontrar um lugar para recomeçar (BENCHIMOL, 1998, p. 138). Assim, muitos se estabeleceram em São Paulo e Rio de Janeiro, o que fez desta a geração dos doutores e profissionais. Pois muitas famílias judaicas enviaram seus filhos para estudarem a medicina, a engenharia e advocacia. O que tornou esses judeus figuras importantes na sociedade brasileira, e desempenharam importantes profissões da nação.

Através de quatro gerações de famílias judaicas amazônicas a história do Brasil foi sendo escrita pelas marcas do povo judeu, mesmo que com a identidade bastante esvaziada. Pois, como afirma Samuel Benchimol, o ser, viver e continuar sendo judeu dependia de condições complexas e se constituía como uma identidade extremamente difícil de se preservar (BENCHIMOL, 1998, p. 163).

Todavia, mesmo com as dificuldades intrínsecas ao ser, ficar e permanecer judeus, as gerações de famílias judaicas marroquinas que se estabeleceram ao longo do vasto território brasileiro, são mais uma prova de que as terras brasilis foram um refúgio onde o povo da Bíblia pôde encontrar liberdade, possibilidade de crescimento e prosperidade. As condições de vida encontradas na nação brasileira foram acolhedoras e proporcionaram abrigo, refúgio, agasalho e trabalho.

O resultado desta incrível jornada judaica na nação ainda ecoa nos dias atuais. Nas palavras do primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu, "Israel é a terra prometida e Brasil é a terra da promessa".



1 Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás. E-mail para contato: azenathebraz@gmail.com


2 Em hebraico a Península Ibérica era conhecida como Sefarad, por isso os judeus que viviam em Portugal e Espanha eram chamados de sefaraditas