MORRENDO POR CRISTO

08/02/2022

A história dos protestantes martirizados no Brasil (séc. XVI)

Texto: Ugo Alves Lemes Filho


Há uma história pouco conhecida sobre os primeiros protestantes que vieram para o Brasil e foram brutalmente mortos.

Você NÃO TINHA IDEIA que cristãos foram martirizados no Brasil, NÃO É MESMO?

Este texto tem como objetivo trazer essa história à luz, revelando como o solo brasileiro foi manchado pelo sangue de cristãos estrangeiros.


Por considerar pertinente, começaremos com uma passagem bíblica, que está no livro de Mateus, capítulo 5, versos 11 e 12:

Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós.

Cristo expõe para seus discípulos e seguidores o sermão das Bem-Aventuranças, revelando a importância de sofrer e até morrer pelo seu nome, ou seja, a recompensa no céu, através do galardão, é maior do que qualquer sofrimento terreno que o homem possa imaginar.

Escolhemos este texto bíblico para introduzir o relato de uma história pouco analisada, e por isso desconhecida por muitos, isto é, os fatos que evidenciam uma tragédia em nosso país enquanto colônia de Portugal.

Neste artigo introduzimos uma análise de um momento marcante na história brasileira. Apesar de ser pouco conhecido, é um fato histórico bem documentado e evidencia o momento em que protestantes morreram por causa da uma fé genuína no evangelho de Jesus Cristo.

Considerando a relevância desse fato histórico, analisamos os acontecimentos que levaram a chamada Tragédia da Guanabara. Isto é, nos lançamos a compreender o momento em que alguns protestantes forma martirizados na Bahia de Guanabara no Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro de 1558. Eles foram mortos para pagarem com suas vidas por terem fé em um evangelho libertador, onde o homem não aprisiona, nem escraviza outro homem, mas o ajuda em sua condição tanto material como espiritual.

Estes homens, protestantes calvinistas foram traídos, massacrados, presos por correntes, espancados e lançados a grande fúria de um mar revolto, silenciando assim, por enquanto, a voz que surgia através do protestantismo europeu, mais precisamente advindo da França no século XVI e que havia chegado em terras brasileiras.

Para entender esse acontecimento, precisamos lembrar que a Reforma Protestante que surge na Europa no século XVI, não era bem vista em terras coloniais portuguesas, país de formação religiosa cristã católica.

Lutero e seus companheiros reformadores eram considerados hereges pela Igreja Católica, devido ao fato de suas teses irem contra diversos os ensinamentos da Igreja Católica, causando assim grandes divisões entre seu clero.


Dessa forma, era natural que protestantes não fossem bem vistos na colônia portuguesa, pois, sendo uma nação católica, que acreditava ser a "voz de Deus" na terra, ou seja, uma igreja inquestionável e de atitudes inquestionáveis pautada no autoritarismo, com pena de morte para quem se opunha aos seus credos, dogmas e também ao seu poder político e religioso.

Assim, a história aqui apresentada foi relatada na obra de Jean Crespin ,A Tragédia de Guanabara, História dos Protomartyres do Christianismo no Brasil, traduzido por Domingos Ribeiro, na qual afirma que: "E foi assim naquelles tempos que nossos irmãos pagaram com a vida a audácia de confessar a sua fé; e, hoje muita gente balbucia, hesita, ante o sorriso mofador, de qualquer insolente." (CRESPIN, JEAN, 1917, P. 04).

Como já mencionado no início deste artigo, buscamos conhecer os fatos e apresentar uma história pouco conhecida do povo brasileiro a respeito dos primeiros protestantes e mártires no período colonial brasileiro. Sabemos que o território estava sob domínio português, por outro lado, havia também a luta travada por franceses e holandeses em busca dessa colonização em terras brasileiras.

Então, começamos a discorrer sobre o martírio de cristãos em terras brasileiras que ficou conhecido como a Tragédia a Guanabara. Cremos que os detalhes são tão ricos e pertinentes, que outros artigos serão necessários, para trazer a luz este fato histórico.

Na história relatada por Jean de Lery havia um importante personagem histórico. O almirante francês Nicolas Durand de Villegaignon, que organizou uma expedição para as explorar as recém descobertas terras brasileiras e criar a colônia chamada de França Antártica. Mesmo não contando com total apoio do rei Henrique II, o diplomata organizou, levantou patrocínios e selecionou cuidadosamente uma tripulação para navegar em busca de novos horizontes, onde poderia assim comandar e implementar seus projetos ambiciosos.

Dentre a selecionada tripulação havia um grupo chamado de huguenotes (protestantes calvinistas franceses) que foram enviados pelo próprio reformador João Calvino a pedido do almirante. Era um grupo de quatorze pessoas e dentre elas dois eram pastores. Por discordar com o ensino de algumas doutrinas reformadas, Villgaignon expulsa esse grupo de protestantes da Ilha. No continente e sem condições de realizar o trabalho evangelístico, esse grupo buscou formas de se repatriar. Devido as dificuldades com as precárias embarcações, cinco desses huguenotes voltaram para a Baía da Guanabara.

Villegaignon acusou esses cinco huguenotes de traição e espionagem e de uma forma cruel e premeditada, decidiu eliminá-los, calando assim, por um momento, a voz do protestantismo no Brasil. Por entender que esses pregadores não estavam correspondendo aos seus interesses de estabelecer uma "nova monarquia", o projeto estava sendo ameaçado e decisões drásticas foram tomadas.


A CONFISSÃO DE FÉ DA GUANABARA


Os martirizados foram os pastores enviados pela Igreja Reformada de Genebra, Jean Du Bourdel, Matthieu Verneuil, André La-Fon, Pierre Bourdon, que tiveram poucas horas para formularem um texto apresentando a defesa de seus ensinamentos. Eles basearam e apresentaram sua confissão de fé na Palavra da verdade sendo esta liderada por Jean Du Bourdel, o mais experiente entre os outros mártires não só por sua idade, mas também no conhecimento da língua latina.

Presos acusados de heresia os huguenotes tiveram que defender sua crença diante de um questionário sobre pontos teológicos profundos. Sem nada em mãos, mas com profundo conhecimento da Bíblia, eles formularam um belíssimo texto, um documento que ficou conhecido como a Confissão de Fé da Guanabara, que foi redigido originalmente com tinta de pau-brasil e em latim por Jean de Bourdel.

A Confissão de Fé da Guanabara contém profundo conteúdo bíblico, com fortes argumentos como a centralidade da Escritura, a importância da fé e a eleição, a supremacia de Cristo, a natureza simbólica dos sacramentos, entre outros.

Porém, mesmo com uma exímia defesa da fé reformada, não houve salvação para os protestantes Calvinista, seus destinos estavam traçados e nas mãos de um almirante tirano, suas vidas foram ceifadas, e tiradas de forma trágica em terras brasileiras, trazendo até mesmo maldição para o Brasil e de forma especifica para o estado do Rio de Janeiro.

Os pastores protestantes estavam pregando a verdade sobre a palavra de Deus, com o desejo de evangelizar os povos nativos, mas ao sentir-se ameaçado por esses homens em suas pregações sobre um evangelho libertador e de independência do Estado o almirante Villegaignon muda a direção dessa história.

Eles pagaram com suas próprias vidas, sendo lançados ao mar, e mesmo em meio a tais pressões apresentando suas defesas, obrigados a apresentar sua confissão de fé e submissão aos seus superiores, não houve misericórdia por parte de Villegaignon, suas vozes foram emudecidas de forma cruel e tirânica.

A Tragédia da Guanabara evidencia a ganância dos intuitos de Villegaignon, isto é, de se estabelecer como um imperador e doutrinador em terras brasileiras na busca de um "novo mundo" e isso o levou a uma vida de desconfianças e incredulidades em seus próprios homens, homens esses de sua confiança. "Em seu falso presuposto de que os cinco Calvinistas eram traidores e espiões, entendeu que era imprescindível assassiná-los para manter a sua grandeza. Estudou muitos meios para fugir a queixa e recriminações dos homens, a quem desejava convencer que aquelles incorreram em traição." (CRESPIN, JEAN. A TRAGÉDIA DA GUANABARA.1917, P.27)

Apesar das afrontas, cadeias, correntes, espancamentos, que esses homens passaram e, ainda por cima serem mortos com tamanha crueldade eles oravam e cantavam hinos a Deus fortalecendo uns aos outros fazendo assim demonstração de sua fé em seu Deus.


#CONTINUAR e PERMANECER


Fazendo uma análise desta história tão marcante e trágica, relacionando com os dias atuais, entendemos que, as circunstâncias que estamos enfrentando ou enfrentaremos seja ela qual for, em qualquer âmbito de nossa vida, não podemos parar, desistir ou tirar nosso foco, principalmente quando temos o entendimento daquilo que estamos fazendo esteja correto.

Devemos entender que, a proposta é, continuar, permanecer, ter convicção e disposição até concluir tais objetivos, mesmo que não aconteça o intuito é lutar.

Entendemos que, os objetivos pelos quais lutamos são maiores que as nossas próprias vidas, como foram para esses homens.

A FÉ QUE NOS MOVE AOS PROPÓSITOS PELOS QUAIS LUTAMOS É INFINITAMENTE MAIOR DO QUE A NOSSA PRÓPRIA VIDA.

Esse era o intuito desses homens, quando deixaram seu país ao embarcarem para terras estrangeiras, terras brasileiras e apresentar Jesus Cristo como Senhor e Salvador dos pecadores, mas infelizmente encontraram um homem cruel e com intenções destrutivas e sem escrúpulos, acabaram perecendo em seus objetivos, mas que, partindo pelo pressuposto de que o evangelho nas Sagradas Escrituras diz no livro de Mateus capitulo 16 verso 25; "Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á".

Entendemos então que, seus objetivos, suas mortes não foram em vão, um legado foi construído e mesmo hoje com toda adversidade ideológica, o Brasil é considerado um país cristãos, um país onde se tem a liberdade de pregar o evangelho de Cristo.

Assim, precisamos valorizar a vida desses homens, que pagaram com suas próprias vidas por terem uma fé genuína na Palavra de Deus, e por crerem piamente na Bíblia, não se renderam ao serem acusados de traidores, espiões e hereges, por aquele que na verdade, era o verdadeiro herege, e também assassino, o qual silenciou de forma brutal a vida desses homens.

Que possa haver dentro dos nossos corações um peso de arrependimento e responsabilidade pelo genuíno evangelho de Cristo e pelas vidas que foram ali tiradas de forma cruel.

Acreditamos que é tempo de transformar maldição em benção, trazer a luz fatos ainda pouco conhecidos da história brasileira, revelar e esclarecer a história verídica desses cinco homens que deixaram a França e embarcaram em uma viagem apenas de ida que, infelizmente não tiveram nem se quer a oportunidade de decidirem seus destinos, ou seja, alguém decidiu por eles, mas em meio a essa Tragédia, UM LEGADO FOI CONSTRUÍDO, LEGADO DE FÉ, PERSEVERANÇA, CONFIANÇA E AMOR.

Referências bibliográficas:

1. Documentação Textual

Crespin, Jean. A Tragédia de Guanabara. Traduzida por Domingos Ribeiro, Rio de Janeiro, Typo-Lith, Pimenta de Mello e C. - Rua Sachet, 34, 1917.

Bíblia de estudo Almeida Barueri - SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.

2. Obras de referência

ABREU, Capistrano de. 1853-1924, Capítulos de história colonial: 1500-1800/J. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 1998. 226 p. - (Biblioteca básica brasileira).

HURLBULT, Jesse Lyman. História da Igreja Cristã.Edição revisada e atualizada- São Paulo:Ed. Vida, 2007

LOPES, Hernandes Dias.Panorama da história cristã: a intervenção divina na história - edição revisada e atualizada - São Paulo: Ed. Hagnos 2018

REILY, Duncan Alexander. História documental do protestantismo no Brasil 3 edição - São Paulo; Ed. ASTE, 2003.